8 de outubro de 2014

A vida que passei a ver

Há quem encare com maus olhos as famílias desalojadas, os negros e, claro, os mendigos


Lembro-me de ter lido algumas das reportagens literárias da série ‘A vida que ninguém vê’, da escritora Eliane Brum, nas edições de sábado da Zero Hora, jornal o qual a editora trabalhou durante 11 anos. Eliane é extremamente sensível e o que ela revela nesta obra nada mais é do que a verdadeira realidade de algumas almas esquecidas ou, muitas vezes, nem vistas por nós.

No livro, Eliane procura contar histórias de vidas diferentes dentro de uma mesma sociedade. Pessoas simples, como o personagem Adail; o carregador de malas do aeroporto que nunca havia voado, mas que a partir da publicação na Zero Hora e, também, com a ajuda da TAM viagens, foi possível realizar seu sonho. Na coragem de Camila. Na fibra de David Dubin. Do Geppe Coppini, o mendigo de Anta Gorda que nunca pediu nada para as pessoas que por lá circulavam.

Outro exemplo é o texto ‘História de um Olhar’, no qual a metáfora dos olhos e do olhar permeia a narração da vida de Israel, um jovem portador de deficiência mental que era enjeitado numa pequena cidade até passar a frequentar a escola, cursando a segunda série do ensino fundamental. E a do Chorador, representado por um senhor que costumava ir a todos os velórios da cidade para desdenhar sua aflição e tristeza mesmo que não conhecesse o defunto. Mostra ter solidariedade, uma vez que todos querem ter reconhecimento em vida e não apenas em morte.

As 23 histórias voltam-se para o anonimato presente nas ruas, contudo merecedoras de uma história que teria de ser relatada. Há quem encare com maus olhos as famílias desalojadas, negros, os que usam vestimentas rasgadas, deficientes físicos e mentais, garis, além daqueles que encontram suprimento de vida no que foi jogado fora. Os protagonistas não são famosos, mas, sim, simples cidadãos que transformam e chocam o mundo com pequenas ações revolucionárias.

O livro me fez ter uma visão totalmente diferente tanto na história do jornalismo, como pessoal. Imaginei como cada uma destas histórias, diria épicas, passam por nós no dia a dia e não percebemos. Estamos ocupados demais com outras histórias e atividades. Acredito que a autora, a partir dessas histórias com pessoas simples em situações corriqueiras, inovou o jornalismo brasileiro.

A Vida que Ninguém Vê é uma obra que relata a vida que todos têm conhecimento e que, no fundo, ninguém quer admitir que exista. Viajei tanto no livro que quando cheguei à última página, 200, nem me dei conta. Uma reedição de valores e ideias que me fez ver as vidas que antes apenas imaginava como seriam através dos olhos de cada um. O livro foi vencedor, melhor livro de reportagem, do Prêmio Jabiti em 2007.

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