13 de agosto de 2011

Sobre a forma que se olha

A edição 58 da revista Piauí, um dos eixos condutores de nossa disciplina, veicula, à página 60, um texto muito interessante sobre o escritor Julio Cortázar, um dos grandes nomes da literatura mundial, autor, entre outros, de O Jogo da Amarelinha.


Chama-se, o texto, Misteriosa entrega e mudança de si mesmo, e fala da correspondência de Cortázar ao longo de sua vida.

Destaco um trecho em particular, que interessa a nós todos. Tem a ver com a forma como olhamos o mundo.

(A originalidade do olhar, sabemos, é fundamental à Exceção e ao jornalismo de revista como um todo.)

Refiro-me ao trecho de uma carta escrita em 24 de fevereiro de 1952, em Paris:

Quero que a maravilha da primeira vez seja sempre a recompensa para o meu olhar. Posso me dar ao luxo de passar perto do Museu Cluny e pensar comigo: 'Vou entrar outro dia.' Mas entrar ali tem de continuar sendo uma coisa séria, última, o motivo verdadeiro de minha presença em Paris. Nós rimos dos turistas, mas juro que eu quero ser turista em Paris até o fim, ser o homem que anota na agenda: quinta-feira, ir ver o São Sebastião, de Mantegna... É horrível perceber a cada minuto como as faculdades intelectuais empiétent[transbordam] sobre as intuições puras, tentando esquematizar o mundo... O cruel de Buenos Aires é que ela é muito mais matéria intelectual do que estética, e apressa esse processo horroroso de cristalização de um homem. Por isso os argentinos são gente de tanto “caráter” (!), de tanta “personalidade” – repertórios de ideias definitivamente fixas, congeladas, sem movimento possível. Todo mundo lá tem sua opinião sobre as coisas, mas você há de concordar comigo em que basta opinar sobre uma coisa para, ato contínuo, deixar de vê-la. A ideia de Wilde em seu Retrato do Sr. W. H. é realmente profunda: se no ato de provar que uma coisa é A ou B irrompe de repente uma angústia terrível e uma sensação de descrença total no que se afirmou, isso se deve ao fato de que todo homem inteligente e sensível sabe que uma prova é sempre outra coisa, que absolutamente não afeta a realidade essencial daquilo de que se fala. Eu gostaria que Paris se entregasse a mim sempre como a cidade do primeiro dia. Estou aqui há quatro meses: mas cheguei ontem de noite, chegarei outra vez esta noite. Amanhã será meu primeiro dia em Paris.

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