5 de dezembro de 2011

Personalidades úteis

Lendo essa semana o livro Feliz por nada, de Martha Medeiros, me deparei com uma crônica em que ela dá sua opinião sobre as revistas Caras e Quem. No texto, a autora afirma que o cerne de ambas, hoje, é sobre o mundo das celebridades, mas não pessoas notáveis, e sim qualquer pessoa que consegue carreira meteórica com revelações constrangedoras.

Na Exceção, também falaremos sobre pessoas que poderiam ser celebridades, mas que não são fúteis. Cada história tem sua singularidade e utilidade. São personagens muitas vezes anônimas, mas que merecem aparecer para o mundo porque realmente têm uma grande história.

Aqui, segue um trecho da crônica de Martha Medeiros, enquanto não podemos "revelar" a Exceção.

Lúcifer no Fasano

Eu estava hospedada na minha avó, em Torres. Era verão de 1993. Estávamos só nós em casa naquele fim de tarde. Ela, com a autoridade de seus mais de 80 anos, chamou a moça que trabalhava pra ela, a Zaimara, abriu a carteira, tirou uma nota de R$ 10 e pediu: vai lá no Bazar Praiano e me traz uma revista Caras, por favor.

– Revista o quê?


– Caras. Primeiro número.


Minha vó, muito antenada, sabia que uma nova revista estava estreando no mercado. Uma revista que trazia apenas notícias de celebridades, e quis conferir. Eu já conhecia as versões latino-americanas e não me empolguei muito. Quando a Zaimara voltou com a revista (já lida de cabo a rabo), minha vó folheou uma página, outra página, mais uma, e sentenciou: “O que eu pensei. Porcaria”.


Tarde da noite, levantei pra pegar um copo d’água e vi luz embaixo da porta do quarto da minha vó. Como não havia televisão ali dentro, e muito menos um marido, concluí que ela estaria dando uma segunda e longa espiada na porcaria. Quem resiste?


O lançamento da revista Caras foi um divisor de águas. Competente em mostrar o dia a dia (e a noite adentro) de qualquer pessoa que tenha tido seus 15 minutos de holofote, a revista sedimentou a profissão dos paparazzi e modificou a relação do público com seus ídolos.


Se antes alguém era reconhecido por seu talento em atuar, cantar ou desfilar, agora era reconhecido pelo número de separações, pelo tamanho do biquíni e pelas viagens a castelos onde se janta em traje de gala e se fazem piqueniques usando duas camadas de maquiagem. Nunca a cafonice foi tratada com tanto glamour.


Não desprezo a revista, na qual já apareci uma ou duas vezes – nunca tomando champanhe dentro da banheira e tampouco deitada sobre um tapete de zebra vestindo um longo de cetim vermelho, digo em minha defesa. Escritora aparece no máximo com uma xícara de café em frente ao computador.


O que acontece é que depois da Caras veio a Quem e tantas outras, e também alguns programas de TV especializados em fofoca, e de repente a banalização da privacidade ganhou um espaço sem precedentes. Celebridade, que podia ser uma palavra definidora de alguém notável, passou a designar qualquer um.


E qualquer um fazendo revelações constrangedoras e vulgares, desfrutando de uma fama meteórica e provocando um deslumbramento patético nos simples mortais. Aquela ali é a Ariadna? É a Geisy? Uma é a transexual que ficou uma semana na casa do Big Brother, a outra foi discriminada por usar minissaia na faculdade, é o currículo profissional delas.


Causam o mesmo alvoroço que Demi Moore e Ashton Kutcher, que por sua vez causam o mesmo frisson que o pai do Michael Jackson, que é tão famoso quanto o blogueiro que surgiu ontem no YouTube. Se Lúcifer saísse do inferno para dar uma banda por aqui, teria mesa cativa no Fasano.

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