21 de setembro de 2015

(Mau) jornalismo e conspirações no lançamento de Eco



A esperteza está em pôr antes uma opinião banal e depois outra opinião, mais racional, que se assemelhe muito à opinião do jornalista. Assim o leitor tem a impressão de estar sendo informado de dois fatos, mas é induzido a aceitar uma única opinião como a mais convincente. (ECO, 2015, p. 55-56).
O leitor só vai entender o que está acontecendo se lhe disserem que há uma queda de braço entre duas forças, que o governo anuncia um pacote de sacrifícios, que vamos subir a ladeira, que o Quirinal está em pé de guerra, que Craxi disparou à queima-roupa, que o tempo urge, que não deve ser demonizado, que não é hora de dar apoio tapando o nariz, que estamos com a água no pescoço, ou então que estamos no olho do furacão. (ECO, 2015, p. 93-94).

Mesmo em meio ao semestre de intensas atividades envolvendo aula, grupo de pesquisa e trabalho, não resisto à tentação das leituras que identifico como clandestinas. Considerando o que tenho para ler (e os prazos a serem cumpridos), essas obras são escolhidas por pura paixão, curiosidade e desejo de diversão. Nossos encontros ocorrem naqueles minutos antes de dormir e, principalmente, nas horas de viagem entre uma cidade e outra, sob o olhar cúmplice e discreto dos cobradores de ônibus.
Pois bem, apresento aqui a mais recente aventura: “Número Zero”, de Umberto Eco. Lançado neste ano, o livro conta a história da equipe de redação de um jornal feito para difamar e chantagear, sem necessariamente chegar ao grande público. A narrativa contém romance e teorias de conspiração envolvendo o cadáver de Benito Mussolini, a maçonaria, a máfia, o Vaticano, as operações da polícia secreta e boa parte da história moderna italiana.
Porém, o que permeia “Número Zero” do início ao fim é a crítica ao jornalismo. Durante as reuniões de pauta, os repórteres trocam informações e opiniões, na tentativa de encontrar o ângulo certo de determinado assunto e a redação mais adequada para a cobertura. É aí que aparecem as ironias quanto às subjetividades (preconceitos, simulações, interesses políticos e econômicos) presentes no trabalho jornalístico. Os trechos acima são explicações do revisor à equipe. Ele orienta os repórteres a, nas entrelinhas, emitir o próprio ponto de vista e a utilizar clichês para facilitar a compreensão do leitor.
Por fim, vale a leitura. É jogo rápido, divertido. E faz pensar. Além das reflexões sobre a “melhor profissão do mundo”, nas palavras de Gabo, “Número Zero” apresenta muitas referências a obras de arte e ao universo erudito. Não dá para esperar a profundidade de “O Nome da Rosa”, por exemplo. Porém, a experiência das 208 páginas é deliciosa. E tem na biblioteca ;)

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